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Museu da Imagem e do Som

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Uma visita ao Teatro Brasileiro de Comédia pelo acervo do MIS

por Cecilia Salamon

O Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) foi uma companhia teatral paulista idealizada pelo empresário Franco Zampari, que sonhava com um teatro moderno onde as companhias amadoras pudessem se apresentar. Na época da idealização do TBC, as salas de teatro em São Paulo eram poucas, existiam somente o Teatro Boa Vista, o Teatro Santana e o Theatro Municipal, sendo este último mais voltado a apresentações de companhias estrangeiras. As companhias amadoras ensaiavam durante meses para conseguir alguns dias de apresentação nesses teatros.

Zampari e o também empresário Francisco Matarazzo Sobrinho fundaram a Sociedade Brasileira de Comédia para agregar as companhias amadoras, e assim foi inaugurado o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) em 11 de outubro de 1948, sediado no prédio alugado e recém-reformado localizado na rua Major Diogo, 315, no bairro da Bela Vista, em São Paulo.

A Sociedade Brasileira de Comédia foi constituída a partir da reunião de três grupos amadores que se revezavam no palco do TBC: o Grupo de Teatro Experimental, dirigido por Alfredo Mesquita, o Grupo Universitário de Teatro dirigido por Décio de Almeida Prado, e a Sociedade dos Artistas Amadores de São Paulo, dirigido por Madalena Nicol. Na época, Cacilda Becker era a única atriz profissionalizada.

As estreias dos espetáculos logo se transformaram em eventos marcantes da sociedade paulista. O sucesso de público foi atingido pelas representações de textos canônicos (Pirandello, Sófocles, Schiller, Sartre, Dumas Filho etc.), pelas atuações de alta qualidade e pelos trabalhadores técnicos especializados que produziam cenografia e figurino na própria sede da rua Major Diogo aos moldes dos grandes teatros mundiais. 

O TBC foi um empreendimento de luxo com infraestrutura e recursos que não existiam nos teatros até então. Como exemplo, na peça O mentiroso, o figurinista e cenógrafo Aldo Calvo [1] desenhou e encomendou a fabricação de um tecido exclusivo para os coletes de Maurício Barroso e Ruy Affonso na tecelagem Santa Constância (pertencente às Indústrias Matarazzo). Isso em um em tempo que, na maioria teatros, os próprios atores precisavam se preocupar com os figurinos que utilizariam nas encenações.

A partir de 1949 começa a funcionar no primeiro andar do prédio um bar chamado Nick Bar. O nome é uma homenagem à primeira montagem profissional realizada no TBC: Nick Bar… álcool, brinquedos, ambições, de William Saroyan, com direção de Adolfo Celi. O bar, além de servir refeição aos atores, funcionava como uma extensão dos espetáculos, onde os atores podiam ser vistos de perto. Foi um local frequentado por artistas e personalidades da época, como Guilherme de Almeida, Jorge Amado e Érico Veríssimo, geralmente ao som do pianista Enrico Simonetti (compositor de músicas para os espetáculos do TBC) ou de músicos e orquestras que se apresentavam por lá, como Inezita Barroso.

A influência desse espaço foi gravada no samba-canção “Nick bar”, composto por Garoto e José Vasconcelos e interpretado por Dick Farney em 1951:

“Foi neste bar pequenino,
onde encontrei meu amor,
noites e noites sozinho,
vivo curtindo uma dor.

Todas as juras sentidas,
que o coração já guardou,
hoje são coisas perdidas,
que o eco ouviu e calou.

Você partiu e me deixou,
não sei viver sem seu olhar,
e o que sonhei só me lembrou
nossos encontros no Nick Bar”.[2]

Você sabia que existia um restaurante/bar no MIS em 1989 que fazia homenagem ao Nick Bar? O vídeo abaixo contém uma entrevista com João Batista de Andrade e mostra, no início e de relance, como era o bar do MIS

O próprio entrevistador chama o bar do MIS de Nick Bar. É possível ver nas paredes um quadro com um desenho de uma cena da peça Nick Bar do TBC.

Quadro com cena da peça Nick Bar… Álcool, Brinquedos, Ambições, 1949
Acervo MIS

Esta cena foi originalmente desenhada por Hilde Weber durante um ensaio da peça. Nela, Kitty dança com Tom (Cacilda Becker e Maurício Barroso), observados por Joe (Gustavo Nonnenberg). Hilde Weber era caricaturista do jornal O Estado de S. Paulo e atuou como figurinista e cenógrafo no TBC.


Nesse mesmo ano, também ocorre a criação da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, outro empreendimento de Franco Zampari. As instituições foram parceiras em certa medida: os folhetos de programas das peças do TBC continham propagandas sobre as produções e filmagens em andamento da Vera Cruz, e as instituições também compartilharam diretores, atores e recursos financeiros. Contudo, com o tempo a Vera Cruz começou a sugar os recursos financeiros do TBC.

Em 1950, os atores vindos dos grupos amadores se profissionalizaram no TBC, com cachê por espetáculo e contrato, formando um elenco permanente para as apresentações. O TBC foi uma das primeiras companhias teatrais a fornecer estabilidade econômica aos atores e aos demais trabalhadores técnicos. 

No segundo andar do prédio da Major Diogo, funcionava a Escola de Artes Dramáticas (EAD), que contribuiu para a formação de muitos atores da dramaturgia nacional, entre eles Leonardo Villar. Ao mesmo tempo que estudava na EAD, Villar mantinha sua profissão de alfaiate, confeccionando alguns figurinos de apresentações do TBC: os longos figurinos de Cacilda Becker e Cleyde Yáconis em A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, e o vestido de Elizabeth Henreid em Convite ao baile, de Jean Anouilh, ambas as peças dirigidas por Luciano Salce em 1951.

Leonardo Villar se profissionaliza no TBC e protagoniza a peça O pagador de promessas, de Dias Gomes, em 1960, que posteriormente seria adaptada para o cinema com direção de Anselmo Duarte. O filme ganharia a Palma de Ouro no Festival de Cannes, desbancando diretores consagrados como Luis Buñuel, Otto Preminger, Michelangelo Antonioni, entre outros. Ainda hoje é o único filme brasileiro a ganhar esse prêmio.

Cartazete de divulgação do filme O pagador de promessas
Gelatina e prata sobre papel

Coleção 00025CBR – Cinema Brasileiro
Item: 00025CBR000460FTa


É inegável o importante papel do TBC na profissionalização e modernização do teatro brasileiro, mas ele sofreu durante toda sua trajetória com críticas por ser considerado um teatro de grã-fino. O dinheiro para criação do TBC viera de ricos empresários, que custeavam todo o luxo das apresentações, embora quem fizesse o teatro acontecer eram os trabalhadores técnicos: atores, cenógrafos, figurinistas, que possuíam uma carga de trabalho gigantesca, com ensaios terminando de madrugada. O TBC também sofria críticas por não levar peças de autoria nacional para o palco. Por considerar que textos pouco conhecidos podiam não atrair público, o tebecê (como era grafado nos jornais da época) não queria se arriscar.  

Realmente poucos textos de autores brasileiros foram representados, entre eles algumas peças foram adaptadas de textos de Abílio Pereira de Almeida, ator vindo do Grupo de Teatro Amador (GTA), que ocupou durante dez anos um cargo na diretoria do TBC. A peça Santa Marta Fabril S.A., de 1955, à revelia do que se pensava, foi um sucesso de bilheteria, ficando em cartaz durante o incrível período de um ano inteiro, sendo que as peças podiam ser retiradas em poucas semanas caso não conseguissem público de imediato.

A documentação da trajetória do TBC em grande parte se deve aos registros fotográficos de Fredi Kleemann. Fotógrafo e amante de teatro, trabalhava na loja da Fotóptica onde os atores compravam e revelavam as fotos do TBC. De um encontro fortuito com Cacilda Becker, Kleemann foi convidado a se candidatar para a peça Nick Bar e, assim, começa a participar dos espetáculos, além de ser contratado para ser o fotógrafo oficial do TBC e da Vera Cruz.

Vale lembrar que muitos espetáculos só possuem, como registro histórico, os documentos fotográficos e o relato de quem esteve presente. A primeira peça do TBC com registro audiovisual foi Ralé, de Máximo Gorki, televisionada pela TV Tupi em 1951.

A partir de 1953, os grandes atores da companhia começam a deixar o TBC por razões pessoais: Sérgio Cardoso e Nydia Licia montaram sua própria companhia teatral, Ruy Affonso e Elizabeth Henreid foram para a Europa e Waldemar Wey se afastou dos palcos. Tanto Sérgio Cardoso como Ruy Affonso queriam dirigir espetáculos, mas o TBC não lhes dava oportunidade por não confiar em diretores nacionais sem experiência confirmada. O TBC optou sempre por diretores estrangeiros – principalmente italianos – nos primeiros tempos, que trouxeram novas técnicas de montagens para o teatro nacional.

Em 1955, Paulo Autran, Tônia Carrero e Adolfo Celi montam a Cia Tônia-Celi-Autran, assim como Cacilda [3], que, em 1957, levou Walmor Chagas, Zbigniew Ziembinski, Cleyde Yáconis e Fredi Kleemann para formar o Teatro Cacilda Becker. Em 1959, Fernanda Montenegro, Sérgio Britto, Gianni Ratto e Ítalo Rossi saíram do TBC para formar o Teatro dos Sete. Todas essas mudanças colocam o TBC em crise artística, enquanto as dívidas aumentam e se acumulam.

O TBC funcionou até 1964, quando fechou as portas por problemas financeiros. Em 1951, Zampari já declarava que o sucesso artístico do Teatro não se equiparava ao financeiro. Nessa ocasião, o empresário fez empréstimos bancários para saldar os gastos empreendidos na grandiosa montagem de A Dama das Camélias, peça apresentada inicialmente no Theatro Municipal para comemorar o aniversário de três anos do TBC, composta por cenografia luxuosa e pelos longos e pesados figurinos de época importados de Paris. Em entrevista publicada na revista Dionysos, Abílio Pereira de Almeida conta que Zampari disse no momento de assinar o contrato de locação do prédio da Major Diogo: “O teatro é dos amadores, se der lucro é dos amadores. Se der prejuízo eu pago.” Ambos os empreendimentos do TBC e da Vera Cruz consumiriam toda a fortuna de Zampari.

O prédio da rua Major Diogo ainda resiste, mas está fechado ao público. O prédio foi tombado em 1982 pelo Condephaat, órgão de preservação estadual, e, em 1991, pelo Conpresp, órgão municipal, considerando mais o fato de ter abrigado o TBC do que seu estilo arquitetônico. Em 2002, também entrou no tombamento de todo o bairro da Bela Vista (conhecido como bairro do Bixiga). Em 2010, ele passou por reformas estruturais sob o comando da Funarte e, em 2017, foi anunciado que seria concedido à iniciativa privada.

[1] Consulte áudio com entrevista de Aldo Calvo na coleção Teatro (00187TET).

[2] O MIS possui a coleção Nick Bar (00641NIB), composta por fitas K7 com músicas do tempo do Bar, material ainda por digitalizar.

[3] No acervo de películas do MIS você pode consultar o Filme de Curta Metragem: Cacilda. Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Comissão Estadual de Cinema. Prêmio Estímulo, 1970. (item: 00138PRE00225FC).

As coleções de fotografia relacionadas ao teatro no acervo do MIS foram cadastradas por nossos trabalhadores técnicos em período de home office em meio à pandemia da Covid-19. O Museu da Imagem e do Som convida os espectadores a conhecer e pesquisar as nossas coleções no banco de dados da instituição: acervo.mis-sp.org.br.

Referências

BLOG DE TEATRO CIA PAULICÉIA DESVAIRADA. Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Disponível em: http://ciapauliceiadesvairada.blogspot.com/2010/12/teatro-brasileiro-de-comedia-tbc.html. Acesso em: 10 abr. 2021.

BRASIL MEMÓRIA DAS ARTES. Teatro Brasileiro de Comédia. Disponível em: http://portais.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/?s=Teatro+Brasileiro+de+Com%C3%A9dia. Acesso em: 11 abr. 2021.

ELIAS, Orias. Elizabeth Henreid, uma dama do TBC. Blog Astros em Revista. Disponível em: http://astrosemrevista.blogspot.com/2020/09/elizabeth-henreid-uma-dama-do-tbc.html. Acesso em: 13 abr. 2021.

GUZIK, Alberto; PEREIRA, Maria Lúcia. (org.) Teatro Brasileiro de Comédia. Revista Dionysos, n. 25, 1980. Ministério da Educação e Cultura SEAC – Funarte, Serviço Nacional de Teatro. 

IPATRIMÔNIO. Teatro Brasileiro de Comédia. Disponível em: http://www.ipatrimonio.org/sao-paulo-teatro-brasileiro-de-comedia/#!/map=38329&loc=-23.55406400000001,-46.64298999999998,17. Acesso em: 14 abr. 2021.

LYCIA, Nidia. Leonardo Villar: garra e paixão. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2005. (Coleção Aplauso).

LYCIA, Nidia. Eu vivi o TBC. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2007. (Coleção Aplauso).

MOLINERO, Bruno. Governo anuncia 196 milhões para restauro de instituições e sinaliza reabertura do TBC. Folha de S.Paulo, 3 jul. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/07/governo-anuncia-r-196-milhoes-para-restauro-de-instituicoes-e-sinaliza-reabertura-do-tbc.shtml. Acesso em: 14 abr. 2021.

SILVEIRA, Celestino. Bom teatro em São Paulo. Revista da Semana, n. 8, 18 fev. 1950. Biblioteca Nacional Digital Brasil. Disponível em: http://memoria.bn.br/pdf/025909/per025909_1950_00007.pdf. Acesso em: 10 abr. 2021.

TEATRO Brasileiro de Comédia (TBC). In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo112774/teatro-brasileiro-de-comedia. Acesso em: 13 abr. 2021. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7.

VISUALZINE. O teatro pela lente de Fredi Kleemann. Disponível em: http://visualzine.blogspot.com/2017/10/o-teatro-pela-lente-de-fredi-kleemann.html. Acesso em: 10 abr. 2021.

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