Cinearte foi uma revista especializada em cinema, publicada de 1926 a 1942 no Rio de Janeiro. Constitui uma fonte indispensável para quem pesquisa a história do cinema e da crítica cinematográfica nacional. Além de representar um destaque na história das artes gráficas, por ser a primeira revista impressa no sistema de offset no Brasil.
Cinearte derivou da seção de cinema da revista Para Todos, cujo sucesso fornece o ensejo para uma revista inteiramente voltada ao assunto. À frente do empreendimento estavam os jornalistas Mário Behring e Adhemar Gonzaga.
A Cinearte não é a primeira revista direcionada exclusivamente para o tema; já existiam algumas publicações brasileiras anteriores: Cinema (1913, impressa em Paris); A Fita (1913); Revista dos Cinemas (1917); Palcos e Telas (1918); Cine Revista (1919); A Tela e Artes e Artistas (1920); Telas e Ribaltas, a Scena Muda (1921) e Foto Film (1922).
Essas publicações demonstram o desenvolvimento do interesse da sociedade pelo assunto e refletem o crescimento de uma incipiente indústria cinematográfica nacional que, no momento da primeira edição da Cinearte, estava completando aproximadamente trinta anos de existência, contando a partir da primeira película produzida no Brasil, atribuída a Paschoal Segreto.
Uma das seções da revista era direcionada ao cinema nacional (passou por diversos nomes ao longo das publicações: “seção filmagem brasileira”, “cinema do Brasil” e “cinema brasileiro”). Nela, eram divulgadas as produções em andamento, abertura de novas salas de cinema pelo país, matérias sobre os filmes em exibição, sinopses, críticas, entrevistas com os intérpretes e curiosidades da parte técnica.
O Brasil era um importante centro de importação de filmes, notadamente norte-americanos, que já dominavam a cena cinematográfica de então. Nessa vertente, Cinearte possuía uma seção dedicada ao cinema hollywoodiano, com páginas repletas de imagens dos atores e atrizes. Essa seção ajuda a promover o culto às estrelas de cinema, conhecido como star system, e vai difundir o ideal do padrão de beleza norte-americano, tão alheio por aqui.
O star system consistia em fomentar a curiosidade pela vida dos atores para além das telas do cinema, com reportagens, fotos e entrevistas. Essa publicidade impulsionaria os filmes em exibição, fator importante para as companhias cinematográficas. Tanto a mídia impressa quanto a cinematográfica vão se promover, conscientes da ajuda mútua que fornecem para garantir seus sucessos comerciais.
O star system foi um dos responsáveis pela consolidação de Hollywood, e um dos maiores incentivadores desse sistema foi a revista norte-americana Photoplay (1910), cujo design influenciou diretamente as páginas da Cinearte.
Cinearte reproduzia o modelo de star system, com atores e atrizes dos filmes do cinema nacional:
Somente em 1934 é aberta uma seção sobre o cinema europeu. Os redatores da Cinearte consideravam-no por demais realista, diferente do fazer cinematográfico norte-americano (“filme posado”, caracterizado por cenas gravadas dentro de estúdios com belas cenografias e belos atores). Segundo eles, o cinema deveria ser a representação do belo, e retratar os aspectos mais prosaicos e grosseiros da realidade estava bem longe disso. Os roteiros e temas apresentados no cinema norte-americano eram considerados um modelo a ser seguido pelo cinema nacional.
Apesar da importação dos modelos norte-americanos, Cinearte representava não só um forte apoio à indústria cinematográfica nacional, mas também sua valorização. Ao longo de todas as publicações, foram discutidas políticas públicas que influenciavam o desenvolvimento do setor. Em suas páginas, estava estampado o lema “todo filme brasileiro deve ser visto”, mesmo que as críticas direcionadas a ele não fossem favoráveis. Toda publicidade em torno das produções brasileiras ajudava a alimentar a indústria do cinema.
A revista contava também com uma seção técnica voltada ao fazer cinematográfico, com informações sobre equipamentos, como utilizá-los, noções de revelação de películas e instruções para cineastas amadores.
Curiosidades técnicas das gravações das cenas do filme O homem invisível, de 1933, adaptação do livro de H. G. Wells. Os criativos efeitos especiais realizados com as dificuldades técnicas da época foram celebrados nas páginas da Cinearte. A midiateca do museu possui estes e outros filmes clássicos disponíveis para consulta no local.
Cinearte foi impressa pela S. A. O Malho, na empresa gráfica de Pimenta de Mello, um dos maiores parques industriais do período, que conjugava as funções editoriais, de impressão e distribuição, responsável por relevantes publicações do período: Para Todos, Ilustração Brasileira, O Malho, O Tico-Tico etc. Na direção de arte da empresa estava o artista J. Carlos, ilustrador, chargista e indiscutivelmente um designer. Ele desempenhou papel importante na modernização dos impressos da década de 1920.
Nessa época, a diagramação das publicações seria revolucionada pelo uso da fotografia nos processos de impressão, inicialmente, com a impressão reticulada de meio-tom em chapas de zinco (clichê), na virada para o século XX, e, posteriormente, com a offset. O uso da fotografia permitia uma composição mais elaborada entre imagem e texto, muito mais atrativa ao público.
As fotografias geradas pela luz e reveladas por substâncias químicas poderiam ser reproduzidas e impressas à tinta em jornais e revistas, por meio do uso de retículas. Elas decompõem a imagem fotográfica de tom contínuo em pequenos pontos variáveis no tamanho e no espaçamento, de acordo com as luzes e sombras da imagem fotográfica. As retículas fornecem a ilusão de tom contínuo, como em uma pintura pontilista.
A primeira máquina de impressão offset chegou ao Brasil em 1922, e a Cinearte seria a primeira revista impressa nesse sistema, em 1926, de forma pioneira e até mesmo experimental, pois a offset somente estaria consolidada no Brasil por volta da década de 1960, quando os grandes jornais se modernizam e adquirem maquinário para esse sistema.
Capa e exemplo de composição das páginas da Cinearte:
Estranho para nós, hoje, pensar que os primeiros projetos editoriais enfrentavam a dificuldade de conseguir imprimir texto e imagem na mesma página; em função da diferença de seus processos de impressão, o texto era impresso em tipografia, e a imagem, geralmente, em litografia. Um mesmo periódico podia ser impresso em mais de um estabelecimento gráfico: uma das soluções era imprimir o texto tipográfico, deixando o espaço delimitado para a imagem, que era impressa em uma oficina litográfica. Outra forma era imprimir separadamente páginas com texto e páginas com imagens, daí decorrem os suplementos ilustrados das publicações.
Essa lógica produtiva seria modificada pelos processos de impressão fotográficos, chamados de fotomecânicos.
Uma das formas de reproduzir uma fotografia em uma publicação impressa de alta tiragem era realizar um negativo da foto por meio de uma tela de pequenos orifícios, colocada em frente à lente da câmera. Isso gera um negativo reticulado da fotografia original. A partir dele, era gravada quimicamente uma matriz de impressão (clichê), que poderia ser integrada à composição tipográfica e, assim, texto e imagem podiam ser impressos ao mesmo tempo.
Na impressão offset, o clichê será gradativamente substituído pelo fotolito, um acetato fotossensível que carrega o negativo reticulado da arte-final da página a ser impressa. Esse fotolito é gravado quimicamente no cilindro de impressão. A off set possui o diferencial do cilindro intermediário, que permite que a página a ser impressa não entre em contato com a matriz entintada, garantindo uma impressão com acurado registro, e em alta velocidade.
O acervo do MIS possui um álbum de recortes com imagens das estrelas do cinema mudo hollywoodiano, retirado principalmente das revistas Photoplay e Motion Picture Classic.
O álbum está assinado a lápis na guarda como pertencente a “Myriam e Lygia Cintra, São Paulo, 1919”. Elas eram fãs de cinema com acesso a essas revistas importadas e colecionavam as imagens, recortando-as e colando-as em um encadernado. Basicamente, um antecessor artesanal dos álbuns de figurinhas praticados por nós até hoje.
Esse álbum é a prova substancial do sucesso de consumo dessas revistas, causado principalmente pelas imagens impressas e pelo culto às estrelas de cinema.
O álbum está em processo de conservação e documentação pelo CEMIS, em breve estará disponível para pesquisa no banco de dados da instituição (item 00632ARP000001FTb).
Atores do cinema mudo presentes no álbum de recortes:
O MIS possui os fascículos da Cinearte de 1926 a 1939. Eles estão na seção de obras raras da Midiateca do Museu e podem ser consultados com agendamento. Para consulta on-line, evitando, assim, o manuseio físico dos itens, os fascículos estão digitalizados no site da Hemeroteca Digital (Biblioteca Nacional).
Bibliografia
Sobre cinema nacional e a Cinearte:
GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: trajetória do subdesenvolvimento. São Paulo, Paz e Terra, 1996.
LUCAS, Taís Campelo. Cinearte: o cinema brasileiro em revista (1926-1942). Tese de mestrado apresentada na Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.
XAVIER, Ismail. Sétima arte: um culto moderno. São Paulo, Perspectiva, 1978.
Sobre métodos de impressão e design no Brasil:
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de. “Processos de reprodução e impressão no Brasil, 1808-1930”. In: Impresso no Brasil: destaques da história gráfica no acervo da Biblioteca Nacional, 1808-1930. Rafael Cardoso (org.). Rio de Janeiro, Verso Brasil Editora, 2009.
CAMARGO, Mário (ord.). Gráfica: arte e indústria no Brasil: 180 anos de história. São Paulo, Bandeirantes Gráfica, 1991.
FERREIRA, Orlando da Costa. Imagem e letra: introdução à bibliologia brasileira. São Paulo: Melhoramentos, Edusp, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977.
SOBRAL, Julieta. “J. Carlos, designer”. In: O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. Rafael Cardoso (org.). São Paulo, Cosac Naify, 2005.
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