MIS

Museu da Imagem e do Som

Para além dos objetos de imagem e som

por Rita Fernandes e Patricia Lira


Em janeiro de 2024, o acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo recebeu a doação de dois objetos: uma câmera fotográfica lambe-lambe e um ampliador fotográfico. A doação foi realizada por Rita Fernandes e acompanhada sempre de muito perto por sua mãe, a Sra. Nair Pedon Zanetti. Complementam a câmera fotográfica o seu tripé, confeccionado em metal e madeira, e uma bandeja utilizada para os banhos químicos do processo de revelação fotográfica. Por sua vez, o ampliador é acompanhado por uma moldura para a criação de imagens fotográficas em formato circular e por um caderno com anotações de fórmulas fotográficas diversas. Além do ótimo estado de conservação das peças, produzidas em 1925 e 1940, respectivamente, e da relevância da câmera lambe-lambe para a preservação da história da prática fotográfica no Brasil, chamou a atenção da equipe do CEMIS o fato de o ampliador ter sido construído pelo Sr. Ezilio Pedon, pai da sra. Nair e avô de Rita, sendo, portanto, um objeto único.

Ao entender o contexto de construção e de utilização desses objetos, verificamos que eles fizeram parte significativa da história de vida do Sr. Ezilio. E, ao tomarmos contato com essa história, ficou evidente que esses objetos eram instrumentos de ofício, visto que foram adquiridos, utilizados e construídos para que Ezilio Pedon pudesse, por meio de seu trabalho como fotógrafo, complementar a renda de sua família. Assim, além de registrar o desenvolvimento da técnica fotográfica, tais objetos são também testemunhos materiais de um processo social ocorrido no interior do estado de São Paulo entre as décadas de 1920 e 1940.

No momento da doação aos MIS, tais objetos compunham um acervo familiar e o seu uso fora modificado antes mesmo de eles serem musealizados: de instrumentos de trabalho passaram a ser objetos depositários da memória e da afetividade de uma família. Com a musealização, isto é, com um processo preservacionista que envolve a seleção, gestão, conservação, pesquisa e comunicação desses objetos, eles tiveram a sua utilização transformada mais uma vez e são, agora, documentos de uma realidade ocorrida em um espaço e tempo determinados, realidade essa que envolve, além da história da família da doadora, a história da fotografia e do trabalho no Brasil.


A oferta de doações de objetos de imagem e som ao acervo do MIS é frequente. Após a avaliação das propostas, os itens efetivamente incorporados ao acervo são classificados como equipamentos de imagem e som. Tal coleção é composta por câmeras fotográficas, câmeras cinematográficas, projetores, rádios, vitrolas, toca-discos e demais tipos de objetos capazes de produzir – ou de reproduzir – sons e imagens. Com o objetivo de aprimorar o processo de musealização, nos últimos anos a equipe do CEMIS tem buscado ampliar o conhecimento sobre os equipamentos recém-doados por meio do registro dos contextos de utilização desses objetos. Isto é, além dos dados relacionados à composição material – metal, madeira, plástico etc. – e à técnica – tipo de equipamento, dimensões, componentes, acessórios, fabricante etc.– procura-se diversificar o registro com a informação sobre o uso de tais objetos, seja em um contexto geral, seja em uma situação particular, como é o caso da doação aqui apresentada.

No que se refere aos equipamentos fotográficos do Sr. Ezilio Pedon, o registro do contexto de produção e utilização é agora ampliado graças à colaboração de Rita Fernandes e à publicação do texto a seguir, produzido de acordo com as memórias de sua mãe, a senhora Nair Pedon Zanetti.

Ezilio Pedon, meu avô, nasceu em 26 de agosto de 1904 em Capivari, cidade do interior de São Paulo. Era filho de Giacomo Domenico Pedon e Catharina Tonti.

Ezilio começou a trabalhar aos 11 anos de idade, na lavoura de cana. Ele estudou até a 4ª série do antigo primário, hoje ensino fundamental, na Escola Rural da região.

Em 1924, aos 20 anos, começou a trabalhar como carpinteiro na Société de Sucreries Brésiliennes, uma usina de açúcar fundada por franceses com fazendas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ele era muito estimado pelo chefe de obras dessa empresa, o senhor Louis Mialhe. À noite, após o trabalho, meu avô ia até a casa do Sr. Mialhe para aprender e aperfeiçoar técnicas de fotografia.

Acreditamos que tanto meu avô quanto o Sr. Mialhe foram instruídos por Allan Rolim Barbosa. Allan Rolim também era natural de Capivari e fora um cabo do exército que prestava serviços em Rafard, antigo distrito de Capivari. Ele aprendeu com seu pai os processos e fórmulas necessários para tirar e revelar fotos, processos registrados no Caderno Fórmulas Photográficas, doado ao MIS.

Por volta da década de 1930, meu avô começou a praticar a fotografia de forma profissional, tirando fotos para documentos e retratando famílias em ambientes externos. Esses serviços eram prestados principalmente aos moradores da colônia localizada na Fazenda Leopoldina, ou seja, no conjunto de casas próximas à usina de açúcar que eram disponibilizadas aos trabalhadores como parte do pagamento (a Fazenda era propriedade da Société Sucrerie Brésiliennes). Também havia clientes em uma outra Vila, localizada próximo à Vila Rafard; ambas pertenciam ao Distrito de Rafard, na cidade de Capivari. O Distrito de Rafard emancipou-se em 1964 e formou a cidade de Rafard.


Ezilio fez da prática fotográfica uma fonte de renda extra. As fotos eram tiradas em um quartinho da casa transformado em estúdio fotográfico. Ele usava uma máquina de chapa 9 x 12 cm; ao dividir a chapa com papelão, era possível tirar várias fotos para documentos na mesma chapa antes de revelá-la. No estúdio, ele tinha uma balança de precisão para pesar os insumos utilizados nas fórmulas necessárias para os processos de revelação e fixação.

Acreditamos que, para oferecer mais serviços de fotografia, meu avô dedicou-se à construção de um equipamento para ampliação de fotos; a construção desse ampliador foi concluída antes de 1940. Ezilio utilizou o ampliador por mais de uma década. Essa peça faz parte do conjunto que doamos ao MIS.

Ampliador fotográfico construído por Ezilio Pedon e seus acessórios, ca. 1940. Acervo Museu da Imagem e do Som. Doação de Rita Fernandes. Foto: Leonardo Wen.


Em 1944, meu avô pediu demissão da usina de açúcar e se mudou para São Paulo, onde seus irmãos já viviam e trabalhavam, acreditando que encontraria mais oportunidades na capital do estado. Em São Paulo, conseguiu um emprego nas Indústrias Reunidas F. Matarazzo, na Fábrica da Água Branca, como oficial carpinteiro. Nessa época, ele já havia deixado a fotografia profissional por falta de tempo, mas continuou a tirar fotos com uma máquina de filme 6 x 9 cm, usando técnicas de exposição múltipla.

Ele sempre foi apaixonado por fotografia e por outras áreas, como a serralheria e a marcenaria. Ele trançava palhinha nos assentos das cadeiras e outros móveis, criou e montou um presépio mecanizado que foi exposto em várias cidades do estado de São Paulo, fez uma casa na árvore sem nenhum prego para não machucar a árvore e orientou várias pessoas na marcenaria, sempre mantendo um cuidado especial com a natureza e evitando desperdícios.

Faleceu em 2006, aos 102 anos. Teve uma vida plena e foi exemplo de dedicação e amor em tudo que fez.

Rita Fernandes é neta de Ezilio Pedon e responsável pela doação ao MIS do conjunto de objetos que motivou a produção desses textos.

Patricia Lira é coordenadora de acervos do Museu da Imagem e do Som.

Abrem-se, assim, possibilidades múltiplas de pesquisa e de produção de significados a partir desses objetos. Para fazer parte desse processo, o primeiro passo é consultar as páginas dos itens doados por Rita Fernandes no Acervo Online

https://acervo.mis-sp.org.br/equipamento/camera-fotografica-lambe-lambe-desconhecida-desconhecido

https://acervo.mis-sp.org.br/equipamento/ampliador

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